quarta-feira, 13 de junho de 2012



Fagundes Varela
Noturnas (1861)
O Estandarte Auriverde (1863)
Vozes da América (1864)
Cantos e Fantasias (1865)
Cantos Meridionais (1869)
Cantos do Ermo e da Cidade (1869)
Anchieta ou o Evangelho na Selva (1875)
Cantos Religiosos (1878)
Diário de Lázaro (1880)
Poesias Completas (1956)

Casimiro de Abreu
Camões e o Jaú (1856)
As Primaveras (1859)
Obras Completas (1940)
Poesias Completas (1948)
Obras de C. A. (1999)

Junqueira Freire
Inspirações do Claustro, 1855
Contradições poéticas
Tratado de eloqüência nacional
Ambrósio
Fagundes Varela - Noturnas (1861)

Minh'alma é como um deserto
Por onde romeiro incerto
Procura uma sombra em vão;
É como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcão!

Minh'alma é como a serpente
Que se torce ébria e demente
De vivas chamas no meio;
É como a doida que dança
Sem mesmo guardar lembrança
Do cancro que rói-lhe o seio!

Minh'alma é como o rochedo
Donde o abutre e o corvo tredo
Motejam dos vendavais;
Coberto de atros matizes,
Lavrado das cicatrizes
Do raio, nos temporais!

Nem uma luz de esperança,
Nem um sopro de bonança
Na fronte sinto passar!
Os invernos me despiram,
E as ilusões que fugiram
Nunca mais hão de voltar!

Tombam as selvas frondosas,
Cantam as aves mimosas
As nênias da viuvez;
Tudo, tudo, vai finando,
Mas eu pergunto chorando:
Quando será minha vez?

No véu etéreo os planetas,
No casulo as borboletas
Gozam da calma final;
Porém meus olhos cansados
São, a mirar, condenados
Dos seres o funeral!

Quero morrer! Este mundo
Com seu sarcasmo profundo
Manchou-me de lodo e fel!
Minha esperança esvaiu-se,
Meu talento consumiu-se
Dos martírios ao tropel!

Quero morrer! Não é crime
O fardo que me comprime
Dos ombros lançá-lo ao chão;
Do pó desprender-me rindo
E, as asas brancas abrindo,
Perder-me pela amplidão!

Vem, oh! morte! A turba imunda
Em sua ilusão profunda
Te odeia, te calunia,
Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No termo da romaria!
Virgens, anjos e crianças,
Coroadas de esperanças,
Dobram a fronte a teus pés!
Os vivos vão repousando!
E tu me deixas chorando!
Quando virá minha vez?

Minh'alma é como um deserto
Por onde o romeiro incerto
Procura uma sombra em vão;
É como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcão!
Desejo - Casimiro de Abreu


Se eu soubesse que no mundo
Existia um coração,
Que só' por mim palpitasse
De amor em terna expansão;
Do peito calara as mágoas,
Bem feliz eu era então!

Se essa mulher fosse linda
Como os anjos lindos são,
Se tivesse quinze anos,
Se fosse rosa em botão,
Se inda brincasse inocente
Descuidosa no gazão;

Se tivesse a tez morena,
Os olhos com expressão,
Negros, negros, que matassem,
Que morressem de paixão,
Impondo sempre tiranos
Um jugo de sedução;

Se as tranças fossem escuras,
Lá castanhas é que não,
E que caíssem formosas
Ao sopro da viração,
Sobre uns ombros torneados,
Em amável confusão;

Se a fronte pura e serena
Brilhasse d'inspiração,
Se o tronco fosse flexível
Como a rama do chorão,
Se tivesse os lábios rubros,
Pé pequeno e linda mão;

Se a voz fosse harmoniosa
Como d'harpa a vibração,
Suave como a da rola
Que geme na solidão,
Apaixonada e sentida
Como do bardo a canção;

E se o peito lhe ondulasse
Em suave ondulação,
Ocultando em brancas vestes
Na mais branda comoção
Tesouros de seios virgens,
Dois pomos de tentação;

E se essa mulher formosa
Que me aparece em visão,
Possuísse uma alma ardente,
Fosse de amor um vulcão;
Por ela tudo daria...
— A vida, o céu, a razão!


Morte (Hora de Delírio) - Junqueira Freire
  
Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dous fantasmas que a existência formam,
— Dessa alma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
do prazer que nos custa a dor passada.

Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem. Tu és apenas
A visão mais real das que nos cercam,
Que nos extingues as visões terrenas.

Nunca temi tua destra,
Não vou o vulgo profano;
Nunca pensei que teu braço
Brande um punhal sobr'humano.

Nunca julguei-te em meus sonhos
Um esqueleto mirrado;
Nunca dei-te, pra voares,
Terrível ginete alado.

Nunca te dei uma foice
Dura, fina e recurvada;
Nunca chamei-te inimiga,
Ímpia, cruel, ou culpada.

Amei-te sempre: — pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra, - esse elemento
Que não se sente dos vaivens da sorte.

Para tua hecatombe de um segundo
Não falta alguém? — Preencha-a comigo:
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Miríades de vermes lá me esperam
Para nascer de meu fermento ainda,
Para nutrir-se de meu suco impuro,
Talvez me espera uma plantinha linda.

Vermes que sobre podridões refervem,
Plantinha que a raiz meus ossos fera,
Em vós minha alma e sentimento e corpo
Irão em partes agregar-se à terra.

E depois nada mais. Já não há tempo,
nem vida, nem sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o nada — esse real tão belo
Só nas terrenas vísceras deposto.

Facho que a morte ao lumiar apaga,
Foi essa alma fatal que nos aterra.
Consciência, razão, que nos afligem,
Deram em nada ao baquear em terra.

Única idéia mais real dos homens,
Morte feliz — eu quero-te comigo,
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Também desta vida à campa
Não transporto uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

E como um autômato infante
Que ainda não sabe mentir,
Ao pé da morte querida
Hei de insensato sorrir.

Por minha face sinistra
Meu pranto não correrá.
Em meus olhos moribundos
Terrores ninguém lerá.

Não achei na terra amores
Que merecessem os meus.
Não tenho um ente no mundo
A quem diga o meu - adeus.

Não posso da vida à campa
Transportar uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

Por isso, ó morte, eu amo-te e não temo:
Por isso, ó morte, eu quero-te comigo.
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

 Beatriz Galieta e Beatriz Barreto 9E



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